Durante muitos anos, o ponto de partida para a criação de logotipos era sempre o impresso. O padrão CMYK ou, para projetos mais exigentes, o Pantone, ditavam as cores principais da identidade visual. Só depois vinham as adaptações para o meio digital, com conversões para RGB e HEX. Esse caminho fazia todo sentido em um cenário onde as marcas ainda estavam mais presentes em papel do que em tela.
Mas esse cenário mudou. O digital se tornou não só o principal canal de comunicação das marcas, mas também o primeiro ponto de contato com o público. Um logotipo pode nunca ser impresso, mas com certeza será exibido em telas — e muitas vezes com destaque. Isso tem levado cada vez mais agências a inverter a lógica: começam pelo RGB e só depois convertem para os sistemas tradicionais. A pergunta que fica é: isso é apenas uma tendência ou um novo padrão de mercado?
A inversão da lógica: por que o RGB tem sido o ponto de partida?

A preferência crescente pelo RGB como base do projeto não é apenas um modismo. Ela acompanha a mudança na forma como consumimos marcas. Hoje, a maioria das experiências com logotipos acontece no digital — seja no Instagram, no YouTube, no LinkedIn ou em um site. Nesses ambientes, o RGB oferece vantagens que o CMYK simplesmente não consegue acompanhar.
O RGB permite maior amplitude e brilho nas cores, principalmente em tons neon, vibrantes e luminosos, muito usados em startups, marcas tech ou identidades com estética digital. Além disso, o próprio processo criativo em ferramentas como Figma, Adobe XD e até mesmo o Photoshop costuma começar já em RGB — por padrão de software, por velocidade de renderização ou porque os arquivos estão sendo pensados diretamente para web.
Outro ponto é o próprio comportamento das cores no CMYK. Quando criamos um logotipo diretamente nesse modo, há uma limitação natural na paleta. Muitas vezes, o designer evita certas cores desde o início para não correr o risco de gerar decepção na conversão. Já ao começar pelo RGB, a criatividade flui com mais liberdade — e o desafio se torna adaptar o visual ao mundo físico depois, e não o contrário.
Essa inversão de lógica não representa um desrespeito ao impresso, mas sim uma adaptação ao presente. Afinal, se a marca vai viver primeiro — e talvez exclusivamente — nas telas, faz sentido que seu visual nasça lá também.
RGB, CMYK e Pantone: o que cada sistema entrega?

Para entender melhor o impacto dessa mudança de abordagem na criação de logotipos, vale lembrar as diferenças fundamentais entre os três principais sistemas de cor usados no design gráfico.
O RGB (Red, Green, Blue) é um sistema aditivo. Ele funciona com luz: quanto mais brilho, mais clara é a cor, até chegar ao branco total. Por isso, é ideal para telas, que emitem luz própria. Ele oferece uma gama de cores muito mais ampla do que o CMYK — e isso se traduz em tons mais vivos, contrastes mais fortes e uma aparência mais “moderna” ao olhar.
Já o CMYK (Cyan, Magenta, Yellow, Black) é um sistema subtrativo, usado em impressoras. Ele trabalha com pigmentos, não com luz. Ao sobrepor as quatro cores básicas, chega-se ao preto. A limitação aqui está justamente na capacidade de reproduzir certos tons — especialmente os mais brilhantes ou saturados — com fidelidade.
O Pantone, por sua vez, é um sistema de cores proprietárias, também voltado para impressão. Ele oferece tons exatos, criados a partir de tintas prontas, e garante consistência mesmo entre gráficas diferentes. É a escolha ideal quando a precisão da cor é crítica, como em embalagens, materiais promocionais de alto padrão ou projetos onde a identidade visual precisa ser controlada com rigor absoluto.
Cada sistema tem sua função. O problema está em ignorar isso durante o processo de criação — o que pode gerar frustração tanto no designer quanto no cliente, especialmente se houver perda significativa de cor na hora de imprimir o que foi criado para a tela.
Vale mais começar pelo RGB? Quando sim, quando não.

A resposta curta é: depende do tipo de marca e de onde ela vai existir com mais força. Em um cenário ideal, a criação do logotipo deveria considerar tanto o digital quanto o impresso desde o início. Mas como isso nem sempre é possível — por prazo, orçamento ou foco do cliente — é importante entender quando faz sentido priorizar o RGB e quando o CMYK ainda deve ser o ponto de partida.
Se a marca vai viver majoritariamente no digital — como startups, influenciadores, plataformas SaaS, fintechs ou e-commerces — começar pelo RGB pode ser uma escolha estratégica. O impacto visual em tela se torna mais importante do que a fidelidade na gráfica. E nesse contexto, as limitações do CMYK poderiam até impedir a criação de uma identidade mais ousada ou moderna.
Por outro lado, marcas com presença física forte — como redes varejistas, indústrias, franquias ou negócios que produzem muito material impresso — ainda exigem que o CMYK ou o Pantone sejam tratados como referência principal. Isso porque a consistência na impressão continua sendo uma exigência de branding.
Também existe um caminho do meio: começar em RGB, mas dentro de uma paleta segura, que converta bem para o CMYK. Isso exige conhecimento técnico, testes e uma boa dose de sensibilidade visual. Mas pode ser uma boa alternativa para marcas híbridas — que precisam de destaque digital, mas também de presença física coerente.
Como garantir fidelidade de cor em todos os meios: boas práticas para designers

A melhor forma de evitar surpresas é já prever, durante a criação, como aquela cor vai se comportar nos diferentes ambientes. Criou um tom vibrante no RGB? Antes de se apegar a ele, veja como ele se converte no CMYK e se há uma aproximação possível com algum Pantone.
Outra boa prática é não deixar a documentação de cor para depois. Desde os primeiros testes, já vale mapear os códigos correspondentes: RGB, HEX, CMYK e Pantone. Isso evita aquele momento de frustração no final do projeto, quando o cliente quer fazer um cartão de visita e você descobre que a cor escolhida simplesmente “não existe” no mundo físico.
Também é importante incluir esses dados no manual da marca com clareza — e com ressalvas, se necessário. Por exemplo, se o tom vibrante principal perde vida no CMYK, isso deve ser indicado no documento, junto com recomendações de uso e alternativas.
Outro cuidado essencial: realizar provas físicas. Principalmente em peças onde a cor é um elemento chave — como embalagens, lonas, brindes ou sinalizações — não basta confiar na tela. Cada gráfica pode interpretar os dados de cor de forma diferente, e ver o material impresso é a única forma de garantir fidelidade real.
A criação de um logotipo não termina com o design finalizado. Ela se estende para como esse design será usado, impresso, exibido, editado e reproduzido. Garantir fidelidade de cor é parte desse processo — e é o que separa um projeto bonito de um projeto profissional.
RGB, CMYK ou Pantone? Um não substitui o outro.

Mesmo com toda a lógica apontando para o digital, é preciso manter em mente: os três sistemas continuam sendo necessários. Eles não competem entre si — eles se complementam.
O RGB permite ousadia, inovação e impacto visual em ambientes digitais. O CMYK garante que a marca tenha presença estável e coerente nos materiais impressos. E o Pantone oferece precisão e segurança para quando a fidelidade da cor se torna crucial.
A escolha do sistema principal deve ser feita com base na estratégia da marca, não em convenções antigas nem em tendências passageiras. E mais do que escolher um sistema, o papel do designer é fazer com que a identidade visual funcione bem em todos eles, com inteligência e flexibilidade.